Eu queria ser cuidado como aqueles discos

- Você se apaixonou pela minha mania de organização? - Não. Eu queria ser cuidado como aqueles discos. Não pra ficar na sua esta...





- Você se apaixonou pela minha mania de organização?
- Não. Eu queria ser cuidado como aqueles discos. Não pra ficar na sua estante, mas pra ser tocado, ouvido, sentido… E achei que você tinha me olhado com tanta ternura quando me deu boa noite que eu me sentiria bem ali. No seu espaço. Com o seu braço por cima e uma caneca de café. Eu gosto de café quente e dos seus óculos quadradões. Refletem bem a sua personalidade.
- Você gosta mais de mim do que os outros caras que eu tenho conhecido. Eles gostam do meu rosto ou da minha tatuagem. Gostam de uns papos sobre Dostoiévski e Pushkin e leem umas coisas que eu não leria nem por obrigação. Eles gostam da minha segurança na hora de falar e do meu abraço forte. Mas acho que você foi o único que gostou do meu rubor e dos meus jeitos.
- Eu gostei de você. Com medo, mas gostei. Achei engraçado o seu rubor por eu ter te roubado um beijo naquele dia. Mas logo depois você deitou comigo e a gente dormiu.
- Eu sempre mando os outros caras embora antes do amanhecer. E não jogo o braço por cima deles. Eu nunca quis dormir com nenhum deles.
- E por que você tá me falando disso agora?
- Porque eu não desisto de você. Não ainda. A falta anda sozinha e eu fico pensando demais numas coisas em que eu não deveria pensar sem você.
- O ogro se livrou da casca?
- Com você eu nunca tive casca. Eu fui com medo. Mas fui. E eu nunca senti a confusão da cor dos olhos de mais ninguém. Até mudei a forma de guardar os meus discos depois de você.
- Mudou? Achei que nunca fosse mudar. E que ia continuar guardando discos e pessoas na sua estante.
- Mudei. E comprei uns discos novos. Passa lá em casa pra ouvir um pouco deles. Tem café também.
- Mas você odeia café.
- Não se tiver você.
- Eu tenho medo. De parar de novo na sua estante. De arruinar a sua coleção e os seus modos. De não conhecer mais as suas tatuagens e o seu hábito de mascar chicletes o tempo todo. De ter que dormir sozinho – e tá chovendo lá fora. Não sei se arrisco a solidão de um edredom a dois. Eu tenho medo de quebrar os seus discos novos como da última vez.
- Pode deixar que eu tomo cuidado dessa vez.
- Com os discos?
- Não. Com você.

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